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É o momento de impor o Comercializador Varejista ao setor de energia?

Ministério de Minas e Energia – (MME) determinou, por meio das Portarias MME nºs 313/2019 e 314/2019, a abertura de consulta pública para tratar respectivamente da:

(a) Consulta Pública MME nº 76/2019: revogação do art. 50 do Decreto nº 5.163, de 12.08.2004, com o objetivo de simplificar o acesso ao Ambiente de Contratação Livre – (ACL), bem como trazer segurança às negociações a serem realizadas no ACL (representação obrigatória de consumidores por Comercializador Varejista); e

(b) Consulta Pública MME nº 77/2019: regulamentação do disposto no art. 15, § 3º, da Lei nº 9.074, de 07.07.1995.

O período de contribuição para essas Consultas Públicas é:

(a) Consulta Pública MME nº 76/2019: 08.08.2019 à 22.08.2019.

(b) Consulta Pública MME nº 77/2019: 09.08.2019 à 23.08.2019.

É importante destacar que as propostas das Consultas Públicas estão em plena conformidade com o Projeto de Lei encaminhado, em 09.02.2018, pelo MME ao Congresso Nacional, cujo objetivo é a reformulação do setor elétrico.

A seguir serão destacadas as principais disposições dessas Consultas Públicas:

(i) Consulta Pública MME nº 76/2019 – representação obrigatória de consumidores por Comercializador Varejista

Antes de adentrar no mérito da proposta submetida à Consulta Pública, é importante tecer alguns comentários acerca do Comercializador Varejista.

Resumidamente, o Comercializador Varejista é uma Comercializadora ou Geradora habilitada pelo Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – (CCEE), para representar consumidores e/ou geradores aptos a atuar no ACL desde que não sejam agentes obrigatórios, nos termos da Resolução Normativa ANEEL nº 570, de 2013.

Atualmente, segundo informações disponibilizadas pelo MME, na referida consulta, há 13 comercializadores varejistas e 99 ativos modelados.

Ou seja, é um número insignificante considerando a quantidade de agentes no âmbito da CCEE.

O insucesso do Comercializador Varejista está ancorado essencialmente nos pontos a seguir:

o Comercializador Varejista assume o risco de eventual inadimplência da unidade modelada até que ocorra a suspensã0 do fornecimento;
a suspensão do fornecimento deve ser precedida de notificação (Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010);
risco de interferência judicial; e
o custo de representação e risco pelo Comercializador Varejista é extremamente maior que o risco da adesão direta pela unidade consumidora à CCEE.
Nesse sentido, em vez de as instituições do setor elétrico optarem por mitigar os pontos acima, resolveram propor a vinculação obrigatória da adesão à CCEE ao Comercializador Varejista. Vejamos:

A proposta da Consulta Pública MME nº 76/2019 é alterar o Decreto nº 5.177, de 2004, cujo objeto será “A partir de 1º de janeiro de 2020, os consumidores, detentores de carga total inferior ou igual a 1 MW, deverão ser representados, para efeitos de contabilização e liquidação, pelo comercializador varejista”.

Destaca-se que a proposta prevê, ainda, que: (a) os consumidores que, até 31.12.2019, tenham aderido à CCEE não serão atingidos pela proposta; e (b) caso o consumidor do item “a” opte por ser representado pelo Comercializador Varejista, essa opção será irretratável.

Os documentos que instruem a Consulta Pública são (i) CT – CCEE nº 0623/2019; e (ii) Nota Técnica nº 5/2019/CGCE/DGSE/SEE.

Destaca-se que o MME não explorou o relevante impacto financeiro que será causado pela alteração ora proposta, pois, do ponto de vista financeiro, risco é materializado por meio de custo/garantias, o que poderá inviabilizar diversas migrações ao ACL.

Em que pese a Nota Técnica nº 5/2019/CGCE/DGSE/SEE considere que a proposta “constitua uma barreira para migração”, sequer faz menção a interpretação sistemática da Lei nº 10.848/2004 e Lei nº 9.427/1996 que garantem aos consumidores livres/especiais o acesso ao ACL.

Nesse sentido, a proposta ora apresentada poderá ser objeto de eventual discussão judicial, pois estaria o Poder Executivo excedendo sua competência para “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”, nos termos do inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal, uma vez que criaria uma restrição não prevista nas referidas leis.

Outro ponto que merece destaque, é a eventual caracterização de conflito entre a proposta e as disposições da Medida Provisória nº 881, de 2019 (institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências), em especial seu art. 4º, in verbis:

Art. 4º É dever da administração pública e dos demais entes que se vinculam ao disposto nesta Medida Provisória, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Medida Provisória versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:
I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;
II – redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado;
III – criar privilégio exclusivo para determinado segmento econômico, que não seja acessível aos demais segmentos;
IV – exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado;
V – redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;
VI – aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios;
VII – criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço, ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros;
VIII – introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas; e
IX – restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei.

Outro ponto relevante é a geração distribuída (micro e minigeração), pois, embora estejam em segmentos distintos, a figura da geração distribuída poderá reduzir significativamente a representação via Comercializador Varejista, uma vez que o processo da geração distribuída é mais simplificado e apresenta menos riscos do que o Comercializador Varejista, além do fato do benefício econômico para as duas figuras serem equivalentes.

Deste modo, em que pese seja importante o aprimoramento constante do setor elétrico, é essencial que qualquer evolução seja precedida das soluções dos atuais e diversos problemas setoriais existentes, dentre eles, destacam-se: (a) o déficit hidrológico, conhecido como GSF; (b) aprimoramento da Resolução ANEEL nº 552/2002; (c) conclusão da Audiência Publica nº 85/2013 ; (d) definição do limite operacional previsto na Resolução Normativa ANEEL nº 622/2014; e (f) aperfeiçoamento do Comercializador Varejista, bem como (g) a análise dos impactos econômicos, legais e regulatórios da proposta.

(ii) Consulta Pública MME nº 77/2019 – regulamentação do disposto no art. 15, § 3º, da Lei nº 9.074, de 07.07.1995

O art. 15, § 3º, da Lei nº 9.074, de 07.07.1995 dispõe acerca da possibilidade de redução dos limites de carga e tensão para atuação e aquisição de energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre – (ACL). Vejamos:

§ 3o Após oito anos da publicação desta Lei, o poder concedente poderá diminuir os limites de carga e tensão estabelecidos neste e no art. 16.

Nesse sentido, o MME propõe, nos termos da Nota Técnica nº 6/2019/CGCE/DGSE/SEE, “o aumento da competitividade nesse mercado, no qual os consumidores poderão escolher comprar energia incentivada ou energia convencional”.

Atualmente, os Consumidores Livres estão segmentados da seguinte forma:

Em consonância com a Portaria nº 514, de 2018, o MME propõe uma nova redução da carga, visando permitir a opção de compra de energia elétrica convencional. Vejamos:

a) a partir de 1º de janeiro de 2021: os consumidores com carga igual ou superior a 1,5 MW;

b) a partir de 1º de julho de 2021: os consumidores com carga igual ou superior a 1.000 kW; e

c) a partir de 1º de janeiro de 2022: os consumidores com carga igual ou superior a 500 kW.

O MME propõe, ainda, que, “até 31 de janeiro de 2022, a ANEEL e a CCEE apresentem estudo sobre as medidas regulatórias necessárias para permitir a abertura do mercado livre para os consumidores com carga inferior a 500 kW, considerando a data inicial de 1º de janeiro de 2024”.

Conforme abordado anteriormente, no artigo A legislação permite a redução dos limites de carga para os consumidores livres por meio de Portaria?, conclui-se que:

(a) o art. 15, § 3º, da Lei nº 9.074, de 1995, concedeu ao Governo Federal competência para reduzir os limites mínimos para aquisição de energia elétrica dos consumidores;

(b) em consonância com a definição doutrinária do tema, o instrumento mais adequado para promover essa alteração seria via Decreto;

(c) após a redução dos limites mínimos, será necessário adequar o art. 16 da Lei nº 9.074, de 1995, porém esse ajuste não inviabiliza e/ou condiciona a alteração a ser realizada pelo Poder Concedente.

(d) a Nota Técnica nº 6/2019/CGCE/DGSE/SEE não apresentou de forma satisfatória o impacto da aquisição de energia elétrica convencional, bem como a redução na aquisição de energia incentivada, pois a percepção de grande parte do mercado é que a estrutura atual do setor elétrico não permite uma competição justa entre as fontes convencionais e incentivadas.

Destaca-se que as respostas dessas questões são essenciais, pois é uma tendência natural que os agentes beneficiados com a redução dos limites optem pela aquisição de energia convencional, principalmente, nos casos em que a aquisição de energia elétrica convencional for mais vantajosa do que o custo da aquisição de energia elétrica incentivada e seu desconto na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).

Por fim, é indiscutível que essa redução de limites representada um grande avanço para o mercado de energia, mas é essencial que seja implementada garantindo a segurança jurídica, legalidade e, principalmente, a análise e previsibilidade dos seus efeitos no tempo, pois o setor elétrico brasileiro não pode mais conviver com medidas pontuais desordenadas que, posteriormente, geram efeitos negativos em cadeia.

Urias Martiniano G. Neto (urias@tomasa.adv.br) é sócio do Regulatório de Energia Elétrica do escritório Tomanik Martiniano Sociedade de Advogados.

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